quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Encontro íntimo no mundo de Stephen

“Retornava a Mercedes e, enquanto meditava sobre sua imagem, uma inquietação estranha se insinuava furtivamente sangue a dentro. Às vezes uma agitação febril se acumulava em seu íntimo e o levava a perambular a noite sozinho pela avenida silenciosa. A paz dos jardins e as luzes generosas nas janelas derramavam uma força amena sobre seu coração inquieto. A algazarra das crianças brincando e suas vozes tolas faziam-no sentir, ainda mais intensamente do que sentia em Clongowes, que era diferente dos outros. Não queria brincar. Queria encontrar no mundo real a imagem quimérica que sua alma contemplava tão constantemente. Não sabia onde ou como a procurar; mas uma premonição que o fazia prosseguir dizia-lhe que está imagem iria encontrá-lo, sem nenhum ato premeditado de sua parte. Eles se encontrariam tranquilamente como se tivessem se conhecido e tivessem marcado um encontro, talvez em um dos portões ou em algum lugar mais secreto. Estariam sozinhos, cercados pela escuridão e pelo silêncio; e naquele momento de suprema ternura ele ficaria transfigurado. Ele se diluiria em algo impalpável sob os olhos dela e então num instante estaria transfigurado. Fraqueza e timidez e inexperiência o abandonariam naquele momento mágico.” Stephen Dedalus

Um retrato do artista quando jovem, James Joyce.


Scenic World, Beirut

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Verdade

“Atravessaram o armazém, depois um pequeno corredor que dava para um pátio calçado, e chegaram finalmente à cozinha. Bertoleza, que já havia feito subir o jantar dos caixeiros, estava de cócoras no chão, escamando peixe, para ceia do seu homem, quando viu parar defronte dela aquele grupo sinistro.

Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo. Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de quem se vê perdido para sempre; adivinhou que tinha sido enganada; que sua carta de alforria era uma mentira, e que seu amante, não tenho coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.

Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal porém, circunvagou os olhos em torno de si, procurando escapula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro.
- É está! Disse os soldados que, com um gesto, intimaram a desgraça a seguí-los. Prenderam-na! É escrava minha!

A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmadas no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles sem pestanejar.

Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo, rasgara o ventre de lado a lado.

E depois emborcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.

João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.

Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinham, de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.

Ele mandou que os conduzissem para sala de visitas”.

O Cortiço, Aloísio Azevedo.

Triste submissão.

“O vendeiro nunca tivera tanta mobília.
- Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhor para você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta.
Nesses dias ele saiu muito à rua, e uma semana depois apareceu com uma folha de papel toda escrita, que leu em voz alta à companheira.
- Você agora não tem mais senhor! Declarou em seguida à leitura, que ela ouvia entre lágrimas agradecidas. Agora está livre! Doravante o que você fizer é só seu e mais de seus filhos, se os tiver. Acabou-se o cativeiro de pagar os vinte mil-reis à peste do cego!
- Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor, exigia o que era seu!
- Seu ou não seu acabou-se! E vida nova!”.
O Cortiço, Aloísio Azevedo.


O Cortiço, filme.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Horas

“Tenho sido sábio o suficiente para permanecer isolado. Os visitantes são raros nesta casa. Meus nove gatos correm como loucos quando um humano chega. E minha mulher está ficando cada vez mais como eu. Não quero que seja assim. É natural para mim. Mas para Linda não. Fico feliz quando ela pega o carro e sai para encontrar pessoas. Afinal, eu tenho meu maldito hipódromo. Posso sempre escrever sobre o hipódromo, aquele grande buraco vazio de lugar nenhum. Vou para lá me sacrificar, mutilar as horas, assassiná-las. As horas devem ser mortas. Enquanto você está esperando. As horas perfeitas são as que passo nessa máquina. Mas você tem que ter horas imperfeitas para ter as perfeitas. Você tem que matar dez horas para que duas vivam. O que você tem que cuidar é para não matar TODAS as horas, TODOS os anos”.

O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, Charles Bukowski

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Amai, rapazes!

“Amai, rapazes! E, principalmente, amai moças lindas e graciosas; elas dão remédio ao mal, aroma ao infecto, trocam morte pela vida... Amai, rapazes!”

Casmurro
Dom Casmurro, Machado de Assis.


La Môme, La vie en rose, Edith Piaf

Canapé

“Falou-me, quis que lhe falasse, e efetivamente conversamos por alguns minutos, mas tão baixo e abafado que nem as paredes ouviram, elas que têm ouvidos. De resto, se elas ouviram algo, nada entenderam, nem elas nem os móveis, que estavam tão tristes como o dono.”

Bentinho
Dom Casmurro, Machado de Assis.


O Canapé.

Olhos armados.

“Um dos erros da Providência foi deixar ao homem unicamente os braços e os dentes, como armas de ataque, e as pernas como armas de fuga ou de defesa. Os olhos bastavam ao primeiro efeito”.

Bentinho
Dom Casmurro. Machado de Assis.


O desespero. O primeiro ciúme.